segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A experiência do meu Natal 2006.... (Cont.)

Durante o tempo que passei na Donga, brinquei com a Sónia e a Catarina com os meninos. Ensinámos-lhes as nossas canções que eles cantaram a custo, por vergonha e não entenderem bem o Português. De todas, que eles mais gostavam de cantar era o "Abumbué"!
O contacto com as mamãs foi bem mais difícil porque não nos entendem e têm muita dificuldades em perceber-nos. O povo está muito arreigado ao seu dialecto - Umbundo - e como não têm frequentado escolas por causa da guerra, não percebem nem entendem bem o português. Agora as escolas já estão a começar a funcionar, por isso os mais novos e mesmo os jovens e mais velhos que queiram aprender já as vão frequentando. O material escolar é quase inexistente e apenas aparece nas cidades, por isso esta equipa missionária tem dispensado alguma atenção a este assunto e todas as semanas carregam muito material escolar (do que veio de Portugal de ofertas) para levar para o Gungo. Não o dão às pessoas como seria o nosso primeiro pensamento. Fazem o tipo de uma cantina e vendem tudo por um preço irrisório (que o dinheiro deles também não é muito!) mas é com o fim de os "ensinar" que as coisas não vêm ter com eles do nada, têm que trabalhar, vender o que produzem para ganhar dinheiro e comprarem o que lhes faz falta. É a lei da vida, que este povo tem que aprender, pois não está habituado assim! Também com a saúde, o procedimento é idêntico. Não há médicos nem enfermeiros, apenas na cidade, o que é muito longe. Então aqueles que têm mais capacidade para aprender, vão à cidade tirar um curso de saúde pública e são eles os "Promotores de Saúde" que dão um tipo de consultas às pessoas que estão doentes. As pessoas dizem o que têm ou o que lhes doi e eles aconselham os medicamentos a tomar, que são quase sempre os mesmos, pois dão para imensas coisas. Por exemplo, para as dores seja ela qual for, usam o Paracetamol!! Esses medicamentos também são arranjados pelas missionárias, que os levam para a Donga e os vendem por um preço irrisório e por comprimidos, não por caixas, como nós usamos. Fez-me uma confusão enorme este procedimento, e quando os via a irem comprar tantos comprimidos disto, tantos daquilo, e para o pagamento não tinham dinheiro que chegasse?! -ensei que por dois ou três comprimidos, lhos dessem. Eu faria logo isso, mas a cantina não funciona assim!! Têm que ter dinheiro para pagar os comprimidos ou então diminuem os que for preciso, para dar com o dinheiro que têm. Ainda fiz a observação: - Ó Vera, como é que vocês têm coragem, coitados, dá-lhes os comprimidos!! Mas fui logo advertida:-Não pode ser. Temos que os ensinar a controlar o seu dinheiro. O nosso intuito não é dar-lhes as coisas, disse-me a Vera, o nosso intuito é ensiná-los. Se lhes dermos hoje, vão querer também amanhã e no outro dia e depois já nem trabalham, porque sabem que nós lhes damos e não precisam de se esforçar!!.. Aí, entendi, que embora nos custe, realmente temos que perceber que o bom não é dar o peixe a esta gente, mas sim ensiná-los a pescar, para que quando os missionários voltem às suas terras eles saibam pescar sozinhos.
Como o tempo era de Natal, falámos bastante no presépio e no significado do Natal. Havia umas folhas com um presépio desenhado que os miudos pintaram. Depois as missionárias quiseram fazer um presépio com cabaninha e tudo, mas como não tínhamos nada ali, resolvemos ir inventar. Fez-se uma cabaninho de paus e capim (erva) e as figuras?! Não havia figuras, então propus aos miudos inventarem figuras, nem que fosse de capim, de papel, ou outra coisa. Encontrei um bocado de papelão velho no chão, recortei-o e fiz as três figuras do presépio. Fiz-lhes as caras com uma caneta, e eles acharam piada. Entretanto dispersaram, e eu pensei que eles já não estavam a ligar nenhuma ao assunto, quando dali por um bocado, apareceu um miudo com um conjunto de figuras muito giro, feito de canas fininhas verdes, com o pormenor dos olhos e tudo! Achei espectacular!! Depois a Catarina quis fazer as figuras em capim e lá fizemos o presépio típico do sítio onde nos encontrávamos. Os miudos também foram com a Sónia ao rio, onde havia algum barro e muitos moldaram figuras em cima de pedras grandes que serviam de base. Pusemos tudo em exposição na Igreja(?) onde foi celebrada a missa do galo e a missa de Natal. Outra coisa que me surpreendeu, foi o povo daquele local ter decidido representar uma peça de teatro sobre o Natal. Foi muito engraçada a maneira como se caracterizaram apenas com paus, panos, um chapéu largo e umas barbas de milho a fazer de barba.
Os missionários tinham o Sr. Filipe, um senhor negro, já de idade, que cozinhava e fazia pão para a equipa! Na véspera de Natal a Vera aproveitou o forno e fez um Bolo-Rei com as poucas coisas que tinham trazido da cidade. Não ficou nada de jeito, mas como estava doce, comeu-se e mesmo duro, como foi ficando. Fizemos um centro de Natal muito original, com ervas, capim, umas florinhas brancas e vermelhas que lá havia, que murcharam logo, mas que deu para nos fazer lembrar do Natal supérfluo que temos nas nossas terras e nas nossas casas.
E foi assim o meu Natal de 2006. Outras lembranças mais pormenorizadas e as vivências, ficam comigo para sempre. Um Natal muito diferente do habitual em vários aspectos, mas muito vivido e muito sentido!! Gostei sinceramente. E porque a minha memória tende a deteriorar-se com o passar do tempo, deixo estas pequenas notas escritas, para me fazerem recordar todo o encanto daquela semana.

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