sábado, 29 de janeiro de 2011

"Angola, terra prometida" escrito por Ana Sofia Fonseca


Este Natal recebi de presente um livro. Adoro livros, tenho imensos e gosto muito de ler. É uma mania. Gosto de ler bons livros, romances, grandes ideologias e pensamentos, coisas terra a terra, nada de fição...
O livro que recebi chama-se "Angola, terra prometida". Quando o recebi comentei: Mais Angola!!!.. mas a minha filha sabe que Angola é um bichinho e achou que eu devia gostar. Comecei por bisbilhotar a autora, ler as últimas e primeiras páginas onde vem a introdução, o resumo do livro, os agradecimentos, comentários e tal, para ver se algo me seduzia. E foi amor à primeira vista... achei logo que devia gostar, pois falava do tempo de antigamente, que eu trago também (assim como muitos que compõem as histórias deste livro) no coração.
Assim que comecei a ler não mais parei. Todos os dias lia um bocado, sem conseguir desligar-me daquelas histórias, a que me sentia ligada. Já acabei e adorei este livro. Muito bom!!...
A Ana Sofia conseguiu transmitir na perfeição (do que eu conheci pelo menos) a vida em Angola e deixar documentários tão perfeitos, quanto saudosos. Gostei da maneira como está escrito o livro, com frases curtas mas intensas onde tudo está dito de maneira simples mas profunda. As fotos, os locais, a História, tudo divinal... e eu apenas estive em Luanda, e só nos últimos 8 anos antes da independência. Os meus parabéns, por tão belo livro que aconselho a quem de algum modo viveu e não esqeceu a maravilhosa vida que se viveu em Angola (ex-colónia) de Portugal antes da independência.
Para aguçar o apetite, deixo aqui a Introdução que a própria autora escreveu do seu livro:


“Angola, terra prometida” por Ana Sofia Fonseca

Introdução

Uma época é um lugar de (des)encontros. Tem espaço, tempo, gente dentro. Homens e mulheres. Personagens de um mundo que acabou, trazem Angola presa à alma. Cada um tem a sua história, juntas revelam o retrato de um período que ainda é uma noite escura. Desperta amores e ódios, guarda mistérios. É passado que marca presente, porque o mais e o menos pretérito não está inscrito no calendário, mas no interior de cada um.

Este livro é Angola. “Do tempo de antigamente”, quando Portugal era metrópole e esta apenas colónia. Fala dos anos cinquenta , sessenta e setenta – os mais intensos do colonialismo português. Tão festivos quanto violentos, brutais em todos os sentidos. Este livro traz o que faltava contar: a vida privada. Revive o dia-a-dia, episódios, usos e costumes. Modas, cenas de rotina. Está em casa, vai à rua. Caminha pela cidade, viaja pela mata. Este livro mostra a vida que os portugueses deixaram.

Do apogeu ao declínio, uma vertigem incontrolável. A década de cinquenta assiste à ida em massa dos colonos. Os anos sessenta são o epicentro de todas as mudanças: o começo da guerra, a euforia das festas, as nossas leis, o boom económico. Os anos setenta acenam adeus. Meio milhão de pessoas enfiadas na ponte aérea. Embarcam colonos, desembarcam retornados. Rótulo que lhes assenta como roupa demasiado apertada-muitos estavam em África há gerações, nunca tinham pisado Lisboa. Outros, tanto lá semearam vida, que por lá perderam raízes. Portugal não era a terra a que retornavam, mas aquela em que se refugiavam.

Esta é a história da véspera. De todos os dias anteriores, de todos os anos anteriores. Saudade é uma boa palavra, diz tudo. A baía de Luanda, os gelados do Baleizão, as praias de água quente, o cheiro da terra encarnada. O dinheiro, as amizades férreas, os criados de sobra. As mangas maduras, a rádio ousada, o sabonete Lux e o Life Buoy O dia quente de sol, a noite vestida de estrelas. O horizonte a perder de vista. A Cuca gelada, as festas de garagem, os slows. Os caricocos, o liceu, as lagostas, as costureiras de olho na Burda. Apanhar caranguejos, o primeiro amor. Manhãs a caçar elefantes, tardes a ouvir discos. A liberdade e a juventude. Os melhores anos.

Expressão curiosa, quase irónica. Salta da saudade de todos os que fizeram vida em Angola. Pronunciam-na com cuidado, num suspiro. Os melhores anos. Apesar de viverem paredes-meias com a guerra. Rodeados de gente sem acesso ao seu universo, tão perfeito quanto todas as redomas. A sua história é a da cidade do asfalto, fora dela fica a esmagadora maioria da população. É preciso tê-lo em conta, para não esquecer a dura realidade de milhões de pessoas. Para não reduzir Angola a um pedaço da sua verdade.

O mundo era outro. Os mapas e as mentalidades também. A minha geração é a primeira livre de amarras à ditadura e ao seu colonialismo. Cabe-lhe não cair em nostalgias, tão pouco em culpas por expiar. Olhar o passado à luz do seu contexto, sem saudosismos nem tabus. Falar de uma época não é fazer a sua apologia, é assumi-la.

Este é um trabalho jornalístico. Ao longo de dois anos, entrevistei mais de oitenta pessoas, entre Portugal e Angola. Muitas, então, chamadas colonos, algumas assimiladas; e outras, indígenas. Designações há muito abolidas. Foram, quase sempre, conversas longas, ultimadas no decorrer dos meses. Pedi-lhes as memórias, antes que o tempo as apagasse. Deram-me as biografias, os cheiros e as cores. O sal dos dias. São uma amostra da imensa multidão.

Muitos daqueles que deixaram Angola guardam o melhor da vida em fotografias amarelecidas. São angolanos, está-lhes no rosto, só não vê quem não quer. São angolanos de uma Angola que já não existe. De uma época, em que os outros angolanos não tinham nem as mesmas possibilidades, nem as mesmas alegrias. Mas um passado feliz é um grande amor. Como todos, tem muito de vivido e um tanto de sonhado. Assim, se as entrevistas foram ponto de partida e de chegada, pelo caminho somaram-se outras pesquisas. Nos arquivos descobri registos. Na imprensa, os sinais do tempo. Pedaços de uma época. Há gente nestas páginas.

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